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Tuesday, June 22, 2010

Psicologia Vaisnava: Humilde e bem consigo


Originalmente publicado na edição americana de Volta ao Supremo [Back to Godhead] no ano de 2007. "Humble and Feeling Good"


Por Archana Siddhi Devi Dasi *



Como terapeuta de famílias, eu aconselho tanto pessoas do movimento Hare Krsna como pessoas de fora do movimento. Recentemente eu recebi um e-mail de uma jovem devota que estava infeliz em seu casamento devido à postura abusiva que seu esposo tinha, mas estava em conflito quanto a deixá-lo.

"Talvez seja bom que eu me sinta mal comigo mesma", ela escreveu, "porque isso me fará desenvolver humildade".

Não foi a primeira vez que eu ouvi essa lógica. O Bhagavad-gita ensina que humildade é essencial para o progresso espiritual. Algumas vezes, os devotos, infelizmente, pensam que se sentir mal é um pré-requisito para a humildade.

Diversas vezes me deparo com devotos se complicando com o conceito de auto-estima. Tendo lido as orações de santos de nossa linha, eles, algumas vezes, pensam que seus sentimentos deveriam se enquadrar nas declarações auto-depreciativas de tais grandes almas. Por associarem baixa auto-estima com avanço espiritual, tais devotos podem perpetuar por toda a vida o sentimento de estarem mal consigo mesmos. Eles podem acabar por atrair pessoas para suas vidas que lhes tratarão de acordo com a maneira com que eles mesmos se sentem e
se percebem.

A confusão começa por tentar igualar sentimentos que vêem de nosso ego puro com sentimentos que vêem de nosso ego material, ou falso. As grandes almas expressam sentimentos que nascem do ego espiritual puro, sentimentos que não são contaminados pelos modos da natureza material. Quando eles se sentem, nas palavras do Senhor Caitanya, "mais baixos que a palha na rua", é uma emoção plena de prazer. O devoto puro vê à grandeza do Senhor, e vê a todos como mais
qualificados do que ele próprio. Eles estão imbuídos de amor e apreciação por toda a criação de Krsna.

Bhaktivinoda Thakura, um excelso mestre Vaisnava, escreveu belas canções expressando sua atração e amor por Krsna, músicas sobre alcançar a meta do coração - amor incondicional pelo Senhor - e canções auto-depreciativas, nas quais ele lamenta sua falta de devoção. Como uma alma pura, ele expressa seu apego e amor pelo Senhor e, ao mesmo tempo, sua angústia de sentir-se desqualificado e sem esperança de atingir tal amor. Esses são sentimentos autênticos que nascem da humildade e de apego e amor pelo Senhor.

Reconhecendo Nossas Falhas

Nas primeiras fases de nossa jornada espiritual, talvez experimentemos rapidamente essas emoções por Krsna estar preparando a terra de nossos corações para cultivar nossa devoção. Eu me lembro de uma importante experiência que tive antes de me tornar devota. Eu tinha grande dificuldade de aceitar críticas e achava que minha opinião era absolutamente certa. Essa mentalidade criou inúmeros problemas, tanto na área profissional quanto pessoal. Por meses, eu
contestei as recomendações de meu supervisor quanto a como fazer meu trabalho como diretora residente de um dormitório universitário. Minha obstinação estava fazendo o meu trabalho muito difícil, e eu estava aflita por isso. Finalmente, um dia, eu tive a poderosa realização de que eu estava errada. Não só eu estava errada quanto a esse problema em particular, mas em relação a várias outras coisas.

É-me impossível descrever quão libertador foi para mim aceitar minha natureza falível. Eu não precisava mais carregar o peso de estar sempre certa em relação a tudo. Eu me senti pequena, mas ao mesmo tempo muitas possibilidades se abriram para mim. Pela primeira vez na minha vida adulta eu pude ver meu autoritarismo assumir uma posição verdadeiramente submissa. Essa mudança de postura mental me preparou para tomar refúgio em meu mestre espiritual e nos devotos. Krsna nos ajuda a ficarmos livres por um instante do falso-prestígio para que possamos, como encorajamento, provar a doçura da humildade.

Algumas vezes, todavia, quando ainda estamos contaminados pelos modos da natureza material e identificados com nosso corpo e mente materiais, sentir-se inferior a palha na rua pode nos tornar desmotivados, entediados ou deprimidos. Esses sentimentos, então, impedem nossas praticas devocionais. Nós temos que julgar se para nossa psique específica tal psicologia é favorável a consciência de Krsna ou se é um impedimento no momento. Paradoxalmente, muitas pessoas precisam desenvolver um saudável ego material antes de transcendê-lo e realizar
seu ego espiritual.

Eu ouvi uma vez um palestrante motivacional dizer que as pessoas com auto-estima saudável pensam menos em si mesmas, e não menos de si mesmas. Quando nos sentimos bem quanto a nós mesmos, nós podemos devotar mais tempo e energia doando-nos aos outros, ao invés de absorvermo-nos em auto-piedade. Alta auto-estima também nos dá liberdade para agirmos de acordo com nossos valores e convicções. Quando nos sentimos mal conosco mesmos, às vezes, fazemos coisas para agradar ou apaziguar os outros. Em um esforço para satisfazer o desejo dos
outros, nós podemos acabar sendo influenciados a fazer coisas conflitantes às nossas crenças e valores.

Sentindo-se Digno e Qualificado

Nathaniel Branden, um famoso psicólogo, define auto-estima como "a disposição de sentir-se bem consigo mesmo e qualificado a lidar com os desafios básicos da vida e como sendo digno de ser feliz". Como esses aspectos da auto-estima, auto-conhecimento e amor próprio - têm relação com a consciência de Krsna? Krsna quer que todas as almas aprisionadas no mundo material sejam pacíficas e felizes. A vida humana nos possibilita a oportunidade de ocuparmos nossos talentos e habilidades no serviço ao Senhor. Quando nos oferecemos a servir ao Senhor, sentimos grande alegria. Um amigo, certa vez, deu ao meu esposo um quadrinho com os dizeres: "O que você é é um presente de Deus para você, e o que você se torna é seu presente para Deus".

Além de confundirem humildade com baixa alto-estima, os devotos, às vezes, correlacionam o conceito de auto-estima com orgulho e egoísmo. Mas é, de fato, o contrário. Pessoas que exibem alta auto-estima também exibem uma atitude mais humilde perante os outros. Eles são mais inclinados a admitir e corrigir erros, enquanto que pessoas com baixa auto-estima são muitas vezes defensivas e têm a necessidade de provarem que estão certas.

Em uma famosa história do Mahabharata, Krsna encontrou certa vez com Yudhisthira Maharaja e Duryodhana. Desejando glorificar Seu devoto Yudhisthira, Krsna pediu a ele que encontrasse uma pessoa mais baixa que ele, e pediu ao pecaminoso Duryodhana para que procurasse uma pessoa mais gloriosa que ele. Yudhisthira tinha todas as boas qualidades. Ele era pacífico e auto-satisfeito. Sem dúvida ele possuía uma saudável auto-estima. Mesmo assim ele não conseguiu encontrar ninguém mais baixo que ele. Mais uma vez, aqui se tem o exemplo de uma Vaisnava avançado que porta humildade genuína.

Por outro lado, o perverso Duryodhana procurou por todo o seu reino o dia todo e não conseguiu encontrar ninguém que ele considerasse superior a ele mesmo. Duryodhana estava contaminado com orgulho e vaidade. Ele invejou e ofendeu grandes almas. Ele vivia em constante ansiedade para manter sua posição, sempre tentando eliminar seus competidores. Sua auto-estima dependia de fatores externos como posição e poder, e assim ele não conhecia tal coisa como paz
interior. Ele era atormentado por sua própria luxúria e ambição.

Orgulho Versus Auto-estima


Pensar em si mesmo como grandioso é orgulho, não auto-estima. Uma pessoa com alta auto-estima demonstra humildade. A perfeição da auto-estima é percebida em pessoas completamente livres do falso-ego, nas quais a humildade é produto da realização espiritual.

No nosso estado condicionado, nós possivelmente nos identificaríamos mais com a mentalidade de Duryodhana do que com a de Yudhisthira Maharaja. Mas no nosso progresso na jornada espiritual, nós começamos a nos ver de forma diferente. Quanto mais realizamos não sermos o executor independente, mas o instrumento, mais saudável nossa auto-estima se torna. Na vida material, os modos da bondade, paixão e ignorância nos influenciam. Esses modos se misturam e
competem entre si para moldar nossa mente, incluindo o modo como nos sentimos em relação a nós mesmos.

Pessoas no abismo do modo da ignorância se sentem felizes e bem em relação a si mesmas quando seus sentidos estão satisfeitos. Pessoas imersas no modo da paixão estão felizes e bem consigo mesmas quando outros valorizam e reconhecem suas atividades. Nesses modos inferiores, nossa idéia de eu oscila o tempo todo.

Pessoas no modo da bondade são felizes e sentem-se bem em relação a si mesmas quando agem em conhecimento, de acordo com seus códigos e valores. Elas são menos reativas a estímulos externos, assim, a auto-estima de tais pessoas depende mais de sua própria vida interior. Consequentemente têm mais controle sobre como se sentem.

Pessoas em bondade pura, percebem a si mesmas como instrumentos do Senhor. Elas não se identificam mais como o agente de suas atividades.

O Exemplo de Prabhupada


Nosso mestre espiritual, Srila Prabhupada, demonstrou alta auto-estima. Embora de baixa estatura, ele parecia grande para nós. Ele sempre mantinha sua cabeça alta e se movia com objetivo e confiança. Ele fala de forma direta, com convicção e coragem. Suas ações eram intrépidas e ousadas, e mesmo assim ele tinha uma atitude humilde, sabendo que seu sucesso era devido à providência do Senhor. Sua humildade é exemplificada em suas orações abordo do navio quando ele estava vindo pela primeira vez aos Estados Unidos da Índia:

Ó Senhor, eu sou como uma marionete em Suas mãos. Então, se me trouxeste aqui para que eu dance, faze-me dançar, faze-me dançar, ó Senhor, faze me dançar como quiseres.

Não tenha nenhuma devoção, tampouco conhecimento, mas tenho grande fé no santo nome de Krsna. Eu fui designado como Bhaktivedanta, e agora, se assim quiseres, podes cumprir o verdadeiro propósito Bhaktivedanta.

Com grande humildade, Prabhupada finaliza sua carta, assinado como "o mais desafortunado e insignificante mendigo, A. C. Bhaktivedanta Swami".

De um lado, essas preces demonstram que Prabhupada se sentia muito baixo, mas de outro lado ele confiava poder fazer qualquer coisa com a misericórdia do Senhor. A oração também nos dá a chave para desenvolvermos puras qualidades devocionais: fé no Santo Nome. Quanto mais forte a nossa fé na capacidade de purificação dos Santos Nomes, maior será nossa dedicação ao processo de cantar. Nós cantaremos com tanto foco e atenção quanto pudermos e evitaremos com muito cuidado as ofensas que retardam nosso progresso espiritual.

Nós ficamos menos propenso a explorar os outros quando vemos a nós mesmo como servos, realizando a nossa - dos outros - natureza espiritual como servos de Deus. Nós somos gloriosas centelhas da energia espiritual, com todas as boas qualidades, embora sintamo-nos pequenos na presença do mais glorioso, nosso Senhor. Com esse verdadeiro conhecimento, a alma pura pode ter alta auto-estima e humildade simultaneamente.

Quando eu compartilhei alguns desses pontos com a jovem que havia me enviado sua pergunta por e-mail, ela me escreveu de volta: "É-me um grande alívio entender esses pontos dessa perspectiva. Agora eu entendo que não tenho que continuar convivendo desonrosamente com todo o tipo de abusos para ser espiritual".

Ele me sugeriu a escrever um artigo sobre o tema para a revista Volta ao Supremo. Eu aderi de todo o coração sua sugestão, uma vez que outros devotos haviam feito perguntas similares ao longo dos anos. Espero que o artigo seja útil para todos.


*Archana-Siddhi Devi Dasi foi iniciada por Srila Prabhupada, em 1976. Atualmente morando em Sandy Ridge, Carolina do Norte com o marido e o filho, ela trabalha em consultório particular.

Tradução por Bhagavan dasa (DvS)


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2 comentários:

Unknown said...

Excelente matéria!
Concordo plenamente:
1. "O Bhagavad-gita ensina que humildade é essencial para o progresso espiritual. Algumas vezes, os devotos, infelizmente, pensam que se sentir mal é um pré-requisito para a humildade."
2."Além de confundirem humildade com baixa alto-estima, os devotos, às vezes, correlacionam o conceito de auto-estima com orgulho e egoísmo. Mas é, de fato, o contrário. Pessoas que exibem alta auto-estima também exibem uma atitude mais humilde perante os outros. Eles são mais inclinados a admitir e corrigir erros, enquanto que pessoas com baixa auto-estima são muitas vezes defensivas e têm a necessidade de provarem que estão certas."
Krishna Vijaya Devi Dasi.
Hariiibooollll!!! \o/

Unknown said...

Queridas Vaisnavis!
Estava tentando postar esse comentário de SS Radhanath Swami sobre o tema Humildade, só agora consegui. Ele se encontra no blog dele:http://radhanathswami.blogspot.com/
Radhanath Swami na humildade e atitude de servo.

O que significa ser humilde ?
A verdadeira humildade é a aceitação no coração: eu sou o servo.

O que significa ser servo ?
Significa não ser o desfrutador. Viver para o prazer de Krishna.

sserva, Krishna Vijaya Devi Dasi.

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